"Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses todo nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti..."
Florbela Espanca
.: O tempo não cura tudo, aliás o tempo não cura nada, o tempo só tira o incurável do centro das atenções:.
segunda-feira, 27 de julho de 2009
domingo, 26 de julho de 2009
.: Você para falar de nós :.
Você não perguntou se eu podia, ou se devia.
Você não me diminuiu para se sentir mais forte.
Você não se escandalizou com a mentira; eu não completei a verdade.
Você não pensou no futuro, não pesou as conseqüências, não penou antes da hora.
Você não se protegeu do que desconhecia.
Não alertou que sofreria comigo, e que depois não sairia ilesa.
Você não me forçou a adivinhá-la.
Não apelou para o bom senso.
Você não me inventou, muito menos queimou o rascunho.
Você não me ameaçou com gentilezas.
Não me incriminou com seus temores, não explicou seus traumas.
Não se fez de vítima como se eu estivesse atacando.
Não, você me carregou nos ombros pela cintura. Os dois dedos dentro do meu cinto empurrando a dança.
Não me solicitou prova, testemunhas, sinais.
Não emprestou a Deus o que acontecia em segredo.
Não me julgou por antigos amores.
Não me condicionou a amar como estava acostumada.
Não esperou que eu pronunciasse o que vinha escrito em carta.
Você me olhava com os cabelos.
Você não pediu fiança, recompensa, para se entregar.
Você veio com a roupa do corpo, com o corpo ainda sem culpa.
Você me fechou em suas pernas e deixou a porta aberta do quarto.
Você me exilou no desejo para me repatriar aos poucos.
Você esqueceu as janelas chiando na cozinha.
Você foi incapaz de me constranger quando desisti de responder.
Você não me incitou a casar contigo, não me incitou a namorar.
Você não isolou minhas frases, não alegou que era uma fase.
Você me perdoou como se não existisse.
Você me fez existir para que perdurasse.
Você não me reclamou distante, não cobrou que mandasse notícias.
Você desaparecia quando desaparecia e voltava quando voltava.
Você me afirmava quando me confundia.
Você segurava a nudez para que subisse.
Você não me comparou a ninguém, muito menos aquilo que já fui.
Você não me subornou com a infância ou com o medo da morte.
Você não explorou meus segredos para usá-los.
Você não quis que falasse para preencher as falhas.
Você arredondou os defeitos pela pressa de cuidá-los.
Você foi generosa com os meus ouvidos, confiando mais no vento do que na palavra.
Você me permitiu.
Você me entendeu ao não entender.
Você não teve nada a ver comigo - finalmente eu não me repetia.
Você não me diminuiu para se sentir mais forte.
Você não se escandalizou com a mentira; eu não completei a verdade.
Você não pensou no futuro, não pesou as conseqüências, não penou antes da hora.
Você não se protegeu do que desconhecia.
Não alertou que sofreria comigo, e que depois não sairia ilesa.
Você não me forçou a adivinhá-la.
Não apelou para o bom senso.
Você não me inventou, muito menos queimou o rascunho.
Você não me ameaçou com gentilezas.
Não me incriminou com seus temores, não explicou seus traumas.
Não se fez de vítima como se eu estivesse atacando.
Não, você me carregou nos ombros pela cintura. Os dois dedos dentro do meu cinto empurrando a dança.
Não me solicitou prova, testemunhas, sinais.
Não emprestou a Deus o que acontecia em segredo.
Não me julgou por antigos amores.
Não me condicionou a amar como estava acostumada.
Não esperou que eu pronunciasse o que vinha escrito em carta.
Você me olhava com os cabelos.
Você não pediu fiança, recompensa, para se entregar.
Você veio com a roupa do corpo, com o corpo ainda sem culpa.
Você me fechou em suas pernas e deixou a porta aberta do quarto.
Você me exilou no desejo para me repatriar aos poucos.
Você esqueceu as janelas chiando na cozinha.
Você foi incapaz de me constranger quando desisti de responder.
Você não me incitou a casar contigo, não me incitou a namorar.
Você não isolou minhas frases, não alegou que era uma fase.
Você me perdoou como se não existisse.
Você me fez existir para que perdurasse.
Você não me reclamou distante, não cobrou que mandasse notícias.
Você desaparecia quando desaparecia e voltava quando voltava.
Você me afirmava quando me confundia.
Você segurava a nudez para que subisse.
Você não me comparou a ninguém, muito menos aquilo que já fui.
Você não me subornou com a infância ou com o medo da morte.
Você não explorou meus segredos para usá-los.
Você não quis que falasse para preencher as falhas.
Você arredondou os defeitos pela pressa de cuidá-los.
Você foi generosa com os meus ouvidos, confiando mais no vento do que na palavra.
Você me permitiu.
Você me entendeu ao não entender.
Você não teve nada a ver comigo - finalmente eu não me repetia.
.: A vida como ela é :.
Era manhã cedo na vila e o comboio apitava na estação vomitando nas plataformas mulheres apressadas e homens distraídos. Mas aquele não era um comboio qualquer porque era um comboio especial. De todos os comboios que conheço era provavelmente o mais especial que havia. Vinha dos mesmos lugares que os outros e ia para os mesmos lugares que os outros. Mas era especial no meio de todos porque nenhum ambicionava nada enquanto aquele ambicionava tudo. E o seu maior sonho era ser um barco e navegar pelos mares.
Era manhã cedo na vila e o comboio apitava na estação vomitando nas plataformas mulheres apressadas e homens distraídos. E no alto daquele prédio cor de tempos passados, uma varanda tímida espreitava as mulheres que passavam, apressadas, e sentia o íntimo desejo de ter nascido como elas, mutantes, velozes, portáteis!
E sempre que era manhã cedo na vila e o comboio apitava na estação, varanda e comboio trocavam sonhos e desejos vivendo entre os dois a partilha de uma fantasia que os transformava respectivamente em barco e mulher à deriva pelo rio. E riam-se da pressa das mulheres e da distracção dos homens que não percebiam nada e que não aproveitavam os barcos e os mares para fugir ou para sonhar!
Desta rotina nasceu obviamente um amor enorme da varanda pelo comboio. E quando ele por alguma razão não vinha, a triste varanda perdia-se em divagações românticas e em ciúmes enlouquecidos, imaginando que o comboio era finalmente um barco e que alguma daquelas mulheres que ele transportava tinha descoberto o caminho direto para o seu coração... Aquele sofrimento era feroz e durava até à próxima manhã em que, cedo, a buzina ecoava pela estação. Só os pássaros que por ali pousavam testemunhavam estes desvarios e por toda a cidade já se comentava a loucura da varanda que não percebia que era apenas uma varanda!
Os tempos foram passando, o comboio foi fazer outras paradas e deu por si a fazer a linha da orla, ao lado do rio, e acabou mesmo por se esquecer que era comboio para se convencer que era um grande e forte barco, porque só via água!
Quanto à varanda, essa foi enlouquecendo sozinha à medida que percebeu que nunca seria mulher. A última vez que soube dela estava apaixonada por uma gaivota que ainda por cima só abusou da sua boa vontade. Hoje quando lá passo ainda olho para cima mas é raro a varanda reagir. Perdeu o juízo e agora vai deixando cair pedacinhos de si quando passa alguma mulher. Queria confortá-la mas não sei. O meu forte nunca foi varandas.
Era manhã cedo na vila e o comboio apitava na estação vomitando nas plataformas mulheres apressadas e homens distraídos. E no alto daquele prédio cor de tempos passados, uma varanda tímida espreitava as mulheres que passavam, apressadas, e sentia o íntimo desejo de ter nascido como elas, mutantes, velozes, portáteis!
E sempre que era manhã cedo na vila e o comboio apitava na estação, varanda e comboio trocavam sonhos e desejos vivendo entre os dois a partilha de uma fantasia que os transformava respectivamente em barco e mulher à deriva pelo rio. E riam-se da pressa das mulheres e da distracção dos homens que não percebiam nada e que não aproveitavam os barcos e os mares para fugir ou para sonhar!
Desta rotina nasceu obviamente um amor enorme da varanda pelo comboio. E quando ele por alguma razão não vinha, a triste varanda perdia-se em divagações românticas e em ciúmes enlouquecidos, imaginando que o comboio era finalmente um barco e que alguma daquelas mulheres que ele transportava tinha descoberto o caminho direto para o seu coração... Aquele sofrimento era feroz e durava até à próxima manhã em que, cedo, a buzina ecoava pela estação. Só os pássaros que por ali pousavam testemunhavam estes desvarios e por toda a cidade já se comentava a loucura da varanda que não percebia que era apenas uma varanda!
Os tempos foram passando, o comboio foi fazer outras paradas e deu por si a fazer a linha da orla, ao lado do rio, e acabou mesmo por se esquecer que era comboio para se convencer que era um grande e forte barco, porque só via água!
Quanto à varanda, essa foi enlouquecendo sozinha à medida que percebeu que nunca seria mulher. A última vez que soube dela estava apaixonada por uma gaivota que ainda por cima só abusou da sua boa vontade. Hoje quando lá passo ainda olho para cima mas é raro a varanda reagir. Perdeu o juízo e agora vai deixando cair pedacinhos de si quando passa alguma mulher. Queria confortá-la mas não sei. O meu forte nunca foi varandas.
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